Certas comidas, quando colocadas na boca, fazem a gente tremer – de prazer, de empolgação ou até de repulsa. Mas são raríssimos os restaurantes que podem dizer que um terremoto de magnitude 6,4 na escala Richter faz parte da experiência de se comer por lá. É o caso do Boragó, que fica em Santiago (Chile), apontado como o melhor restaurante do Chile e o 5º melhor da América Latina no prestigiado ranking da 50 Best.
O tremor foi sentido quando a reportagem esteve no local, em dezembro de 2024, e levou a equipe do chef Rodolfo Gúzman para tranquilizar mesa por mesa, esbanjando simpatia e cordialidade. Afinal, a equipe sabia que entre os clientes, boa parte era composta por turistas, não necessariamente acostumados com a terra balançar. O serviço garantiu que os terremotos – que são quase diários no Chile – faziam parte da experiência.
O balançar da terra ajuda o comensal a se situar. Afinal, o Boragó propõe – e executa com primazia – um mergulho na gastronomia e na cultura chilena, com o uso intensivo de ingredientes raros, locais e, até há pouco tempo, esparsamente conhecidos. Tudo é apresentado em um menu degustação que inclui entre 15 e 17 preparos, servidos em louças lindas, desenhadas especialmente para cada etapa.
É o caso do loyo, um tipo de cogumelo endêmico do sul do Chile, de uso quase exclusivo da comunidade local e que aparece até em uma sobremesa do menu. Há também picoroco, um crustáceo da costa chilena; e choritos, uma espécie de mexilhão gigante.
A quantidade de biomas e áreas geográficas do Chile permitem uma variedade de insumos impressionante, que estão devidamente presentes do menu-degustação criado por Gúzman. Do deserto do Atacama, no norte do país, à gelada Patagônia, no sul, ando pelo Oceano Pacífico e as montanhas dos Andes, surgem raízes, flores, algas, verduras e frutas únicas e exclusivas, que foram garimpadas pelo chef ao longo de quase duas décadas de dedicação aos produtos locais.
De posse desses insumos, ele prepara uma verdadeira viagem de sabor pelo país. O cardápio de primavera, batizado de Endémica – ele muda toda estação – começa com um caldo de picoroco com tucupi e um pulmay de algas nativas: uma releitura criativa de um prato tradicional chileno, – o curanto, um cozido típico e ancestral com pedras vulcânicas. O pulmay do Boragó substitui os ingredientes clássicos (como frutos do mar e carne) por uma seleção de algas nativas, colhidas ao longo da extensa costa chilena.
Em seguida, um snack em formato de fantasminha, feito de jibia – um tipo de lula da costa chilena –, é servido em uma 'cama' de tomate fermentado com textura gelatinosa e prova que comer também deve ser algo divertido.
Na sequência, destaque também para a maçã silvestre da Patagônia assada e recheada com avelãs, nozes e caviar de Esturjão chileno. Embora a vontade de comê-la por inteira seja grande, somos avisados de que ainda há um longo caminho a ser percorrido.
O menu tem mais sabores surpreendentes. O carro-chefe em todos eles é o cordeiro patagônico assado de cabeça pra baixo por mais de dez horas - o processo faz com que a gordura derreta dentro da carne, garantindo a maciez do animal.
O loyo também está em uma das sobremesas geladas em formato de cogumelo com cochayuyo, alga marinha comestível muito comum no chile, que ainda é banhada em chocolate. Por fim, o frio glacial: uma bolinha branca que consiste em um merengue à base de mentol com nitrogênio. Na boca, a fumaça sai pelo nariz e refresca o interior do corpo. E não só. "A ideia é sentir o mesmo frio que sentimos ao chegar na Patagônia", explica ao comensal.
Todos os vinhos e bebidas são nacionais e a harmonização é alternada com fermentados de frutas sazonais produzidos no próprio restaurante.
Boragó
Costanera Sur S. J. E. de Balaguer 5970, Vitacura. (56) 2 2953-8893. (56) 9 6509-7768. www.borago.cl
Terça a sábado, de 17h às 00h30
Menú Endémica: U$S 183 (R$ 1.100,40); com harmonização de vinhos: U$S 281 (R$ 1.689,68).